As principais estruturas sindicais existentes preferem o imobilismo e o conservadorismo bacoco, mantendo as suas clientelas certas: o funcionalismo público, as empresas de capital público, empresas de grande dimensão e de sectores protegidos da concorrência.
António Maurício, operário no sector de tratamento de águas
30 de maio de 2022
O número de sindicalizados tem diminuído face ao total de trabalhadores em Portugal, uma quebra bastante acentuada desde 1978, período pós-revolucionário onde ainda se sentia o “espírito da revolução”. Esse facto, por si só, pode explicar a alta taxa de sindicalização em Portugal à altura, que apenas encontrava paralelo nos países escandinavos. Até aos dias de hoje, a taxa de sindicalização sofreu um recuo enorme, de 60.8% para entre os 11 e os 12%. Se retirarmos os trabalhadores do sector público, onde as taxas de sindicalização são tradicionalmente superiores, essa taxa será ainda mais preocupante e andará à volta dos 8%.
Esta queda foi uma das maiores dos países da OCDE, e a maior parte deu-se durante a década de 80, quando se iniciou o processo de globalização com a deslocalização das indústrias para os países do terceiro-mundo. Este fenómeno atingiu praticamente todos os países industrializados do Ocidente. Portugal não era particularmente industrializado, mas esse movimento global, para além de ter levado alguma da sua incipiente indústria, diminuiu sobremaneira o investimento estrangeiro, que, como mandam as leis do capitalismo, preferiu territórios onde os seus capitais poderiam render substancialmente mais.
A globalização trouxe uma pressão concorrencial de países com níveis reduzidos de salários e protecção dos trabalhadores e acentuou a desregulamentação das relações laborais, bem como o crescimento de formas atípicas de trabalho (ex: recibos verdes, contratos de curta duração, trabalho em plataformas digitais, etc.). A juntar a isso, podemos acrescentar algumas características reinantes nas sociedades ocidentais tais como o individualismo, a propaganda anticomunista e todas as ideias a ela associadas e promovidas por toda a comunicação social e a maioria das elites intelectuais e classes dominantes.
Estes dados mostram que os problemas do sindicalismo não são recentes nem exclusivos de Portugal. No entanto, a taxa de sindicalização por cá registou uma pequena estabilização do rácio na primeira década deste século, mas, no início da década seguinte (2011), voltou a cair devido à crise económica e financeira que se abateu sobre o país. A última década ficou marcada pela intervenção da “troika”, que impôs uma série de alterações à legislação laboral - como por exemplo: a facilidade dos despedimentos, a diminuição das indemnizações, a precarização dos vínculos contratuais, o princípio da caducidade dos contratos colectivos de trabalho, etc. Estas violências tiveram como efeito o aumento drástico do desemprego e retiraram, ainda mais, a capacidade de intervenção dos sindicatos.
Todos estes dados são um sinal mais do que evidente da profunda crise do sindicalismo português, que à semelhança da generalidade dos países desenvolvidos tem assistido a uma forte erosão da representação sindical. Apesar dos dados apresentados poderem servir como argumentos justificativos da situação, é inegável que os sindicatos e os seus dirigentes têm responsabilidades quanto ao estado em que se encontram. Há desafios internos que se colocam à acção dos sindicatos e aos quais os seus dirigentes deviam conseguir responder: a dificuldade de atracção de novos membros, a fraca participação dos membros actuais, a organização dos trabalhadores precários, etc. Para isso seriam necessárias mudanças relevantes como o reforço da democracia interna, da transparência e prestação de contas, da presença nos locais de trabalho ou do recurso a novas formas de comunicação. Ao invés disso, as principais estruturas sindicais existentes preferem o imobilismo e o conservadorismo bacoco, mantendo as suas clientelas certas: o funcionalismo público, as empresas de capital público, empresas de grande dimensão e de sectores protegidos da concorrência. Representam, portanto, a aristocracia laboral e a pequena burguesia assalariada. Os sindicatos são, actualmente, estruturas rígidas, pouco transparentes e democráticas onde predominam os reformistas e oportunistas. Estão perfeitamente enquadrados nos mecanismos capitalistas de concertação social e são meras correias de transmissão de interesses burgueses e partidários.
Para inverter a situação a que se chegou são necessários sindicatos de classe, que não cedam aos poderes instituídos – à burguesia patronal, aos governos e partidos políticos - e que defendam exclusivamente e de forma intransigente quem trabalha, com especial ênfase nas camadas de trabalhadores mais empobrecidas e proletarizadas da sociedade.
Foi com essas premissas que um grupo de trabalhadores, alguns com experiência sindical, empenhados em romper com o sindicalismo elitista, burocrático, reformista e oportunista, erigiu o “Sindicato do Proletariado”, que disponibilizará a milhões de trabalhadores, sobretudo os mais desfavorecidos, um instrumento de organização e luta colectiva que servirá única e exclusivamente os seus interesses económicos e laborais.
O “Sindicato do Proletariado” empenhar-se-á em dar voz a quem trabalha – aos trabalhadores mais desfavorecidos, aos precários, aos trabalhadores racializados, em suma a todos aqueles que geram a riqueza do país com o seu trabalho. Para isso a união e a luta colectiva são as únicas soluções.
Com pouco mais de quatro meses de existência o “Sindicato do Proletariado”, fiel a essas premissas, decidiu trabalhar empenhadamente na convocação de uma Greve Geral para o dia 15 de setembro e com efeito em todo o território nacional. O objectivo será dar combate aos graves efeitos da inflação sobre as condições de vida dos trabalhadores, sobretudo os mais desfavorecidos.
Esta iniciativa pretende mobilizar os trabalhadores para a participação numa Greve Geral do sector privado e com as seguintes reivindicações:
1) Aumento salarial de 150 euros para todos os trabalhadores com salário ilíquido até 1500 euros;
2) Aumento salarial para todos os trabalhadores com salários entre 1500 euros e 1649 euros correspondente à diferença entre o primeiro e o segundo valores salariais;
3) Redução de 2% em todos os escalões de IRS relativos a trabalho dependente entre 1600 euros e 3500 euros.
O “Sindicato do Proletariado” mobilizou todos os recursos à sua disposição para levar a cabo uma ampla campanha de divulgação desta iniciativa de luta.
Apesar das profundas discordâncias com a estratégia sindical e política da CGTP-IN e UGT, as mesmas foram desafiadas a articular a sua participação na greve a fim de assegurar, desse modo, uma maior adesão (contribuindo para que se atinjam os objectivos estabelecidos), uma vez que o “Sindicato do Proletariado”, com uma existência muito recente, dispõe ainda de instrumentos de intervenção limitados. Para esse efeito foi enviada carta aberta a essas duas centrais sindicais, propondo que apoiem e adiram, articulando as acções em conjunto para, dessa forma, engrossar a mobilização e a luta.
Contudo, mais de um mês após o envio das referidas cartas, não houve qualquer resposta quer da CGTP-IN quer da UGT! Provando deste modo e mais uma vez que o que os move não são os interesses dos trabalhadores que representam, mas sim as agendas partidárias e outros interesses que não os dos trabalhadores. Este é mais um exemplo do descaso que estas centrais sindicais demonstram por aquilo que devia ser a sua principal preocupação: a defesa exclusiva, intransigente e contínua dos interesses laborais e económicos dos trabalhadores por si representados! Mais um exemplo que nos pode dar algumas pistas sobre o processo de declínio dos sindicatos e do sindicalismo em geral.
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